Julho 2003

Há dias em que a frase «Eu não me devia ter levantado hoje» tem um significado bem mais lógico do que seria de esperar. A vida é singularmente um conjunto de pequenas acções e reacções, que não conseguimos antecipar com todo o realismo.

Há quem lhe chame destino, ou antes calcule as probabilidades de um determinado evento, fazendo um matrimónio forçado entre a lógica matemática e a realidade caótica da previsibilidade do axioma causa/efeito.

Presumo que aqueles dois segundos que me deixei estar a dormir, ou os cinco segundos por ter deixado aquela senhora atravessar, poderiam por si só evitado o desastre: dois segundos antes e o cão sairia em corrida de entre os dois carros estacionados e eu travaria em segurança. Mas esses segundos extra não existiram, e só tomei consciência atónito que o bicho se tinha atirado para o meu pára-choques quando o baque surdo se deu.

Só dois segundos seriam tudo que eu desejava para evitar este singular e trágico incidente. Sinto-me culpado por ter ferido o bicho, que apesar dos meus esforços, se raspou, muito embora devesse estar bastante ferido. Nada de sangue mas o pára-choques partido exibia bastantes pelos e o inter-cooler arrebentado tornou impossível a combustão no motor. Brilhante. Além do sentimento de culpa, de não conseguir ajudar o bicho, vou também andar a penantes durante o fim-de-semana. Foram só dois segundos de azar

May Day! May Day!

Sinto-me como se a casa das máquinas já estivesse inundada e o navio já condenado emitisse um derradeiro pedido de ajuda. Ainda não ordenei o lançamento dos botes salva-vidas, mas a sua necessidade parece eminente. Tudo isto porque demorei demasiadas horas a sentir que o meu cérebro recuperava finalmente algum discernimento e capacidade de ordenar ideias e não alucinar com um imaginário apocalíptico.

Como comandante deste navio não me posso dar ao luxo de passar tão perto de tamanhos Icebergs a todo-vapor. Não havia necessidade de correr semelhantes riscos, nem de por em perigo toda a tripulação.

Tudo isto porque o Club Kitten @ Triplex chamava por mim, hipotequei todo o Domingo e ainda o inicio da semana, envolvendo-me num devasso mergulho de excessos quase suicidas, para o meu corpo já não tão jovem. Mas valeu a pena, foi bastante bom apesar de estar permanentemente a nadar na multidão, ao som do catolicismo musical. E não me recordo de quem me atirou uma bóia. Foi um naufrágio muito atribulado…

We’re charging our battery
And now we’re full of energy
We are the robots

We’re functioning automatik
And we are dancing mechanik
We are the robots

Ja tvoi sluga (=I’m your slave)
Ja tvoi Rabotnik robotnik (=I’m your worker)

We are programmed just to do
anything you want us to
we are the robots

We’re functioning automatic
and we are dancing mechanic
we are the robots

Ja tvoi sluga (=I’m your slave)
Ja tvoi Rabotnik robotnik (=I’m your worker)

We are the robots

Estou cansado mas não aborrecido. Um vazio extremo na ordem dos pensamentos lógicos, uma alienação voluntariosa, uma ressaca intensa, como se o meu crânio estivesse repleto de areia fina.
São efeitos devastadores, uma contabilidade de danos e perdas que me habituo a fazer aos domingos à tarde e as segundas-feiras, mas que não me causam remorsos nem mágoas.

É apenas a minha dualidade Dr Jekyll e Mr Hyde que aproveita do fim-de-semana para se afirmar.
A carne é fraca e os espirito nem sempre tem a rectidão e a robustez para se por a salvo de pecadilhos exagerados. A noite é uma altura sugestiva, e prolonga-se sem regras até depois do dia raiar, com um apetite voraz de tudo quanto seja animação, fulgor e festa. Como que quisesse saborear toda a vida em escassas horas, dando azo a uma paixão que não termina. Estou cada vez mais sofrego, e o Sr Hyde está cada vez mais poderoso.

Não tenho tido muita paciência. Por vezes desejo tornar-me num simples caminhante cujas únicas preocupações seriam relativas ao destino a seguir para pernoitar e onde arranjar o pão de amanhã. É uma ideia idílica e utópica, mas não tão descabida como isso.
A vida é no fundo uma diáspora, uma cruzada, uma demanda pelo Santo Graal, e pelo Sentido da Vida. (Ei! Não estou a falar em filmes dos Monty Python)

Não que essas metas mitológicas existam realmente, mas sim são como que reveladas e encontradas durante jornada, numa aprendizagem só possível pelas experiências diferentes com que nos deparamos e a forma como o inédito e o distinto alargam o nosso horizonte de pensamentos.

Frequentemente quando viajo reencontro-me, como se andasse perdido de mim mesmo, esquecido que tenho uma vida e não uma rotina. Já consigo fazer ruir rotinas e hábitos, mas não os meus vícios. De tempos a tempos gosto de me fazer sozinho à estrada sem destino, preferencialmente com o auxilio de um volante, e percorrer largas distancias sem destino aparente – apenas pelo gosto do desconhecido com que me vou deparar amanhã. Provavelmente tenho instintos gitanos e quem sabe senão é a minha vocação inata de vadiagem que me faz pulsar.

– the redemption

Mea culpa! Faça aqui um humilde acto de contrição, de arrependimento e anseio o perdão pelas minhas palavras injustas de posts anteriores. O pecado de sair a uma quarta-feira à noite ninguém mo vai perdoar pois não tenho o menor remorço de ter apenas três horas de sono em cima das costas. Fui até à vila, apesar de não ir ao festival, acabei por dar de caras ao que já desconfiava: DJ Kitten também faz outras paragens menos importantes.

Qual o meu total espanto estava verdadeiramente aterrador e estonteante, ficando quase impossibilitado de me vir embora, pois o trabalho no dia seguinte não era uma opção. Vibrei imenso.

Volta Kitten tás perdoado
(mas só em sítios escondidos e não badalados!)

Sexta-feira DJ Kitten estará no fantástico e emblemático Club Vademecwm em Vigo, onde também actuarão os magníficos Jeans Team.
Ninguém me quer dar boleia? Era um acto misericordioso!

O paquiderme e a menina dos meus olhos

Após um dia de monitorização, com o insuflar regular a cada quinze minutos de uma manga azul no meu braço esquerdo, estou com a boa disposição e calma de um paquiderme ferido e com o discernimento e capacidade de raciocínio de uma lêndea.
Acredito que a privação do sono é uma das mais poderosas formas de pressão e tortura, capaz de eliminar qualquer vontade e auto-estima.

Felizmente nem tudo são más disposições ou carência de moral. Recebi a excelente notícia, que a menina dos meus olhos, a D. tem a possibilidade de ressurgir do limbo, sair do coma da inexistência a que tinha sido condenada. Como lhe dediquei tanto tempo, tanto empenho com algum desinteresse, espero que ela ressurja, plena dos princípios que teve antes de ser corrompida por um cancro nefasto. A sua libertação só pode ser possível às custas do muito desejado enterro final do Passado já há muito agonizante.

O Rei está morto! Viva o Rei!

A medicina tem assistido a enormes avanços na detecção e análise precoce de maleitas modernas. Os médicos quantificam e recolhem todos os dados que podem e por isso vejo-me com um apêndice mecânico denominado Model 90297, que de quarto em quarto de hora vibra e insufla uma manga. Sou um ciborgue a pilhas Duracel condenado a ter uma noite agitada e ficar com os nervos em franja. Promete uma tortura regular numa noite branca.

Bip-bip- … vruuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuum… -tesck-tesck-tesck-tesck… Biiip
Bip-bip- … vruuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuum… -tesck-tesck-tesck-tesck… Biiip
Bip-bip- … vruuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuum… -tesck-tesck-tesck-tesck… Biiip