Outubro 2003

Quero Te Encontrar

Quando você vem pra passar o fim de semana,
eu finjo que tá tudo bem, mesmo duro ou com grana,
você ignora tudo que eu faço
depois vai embora, desatando nosso laços

Quero te encontrar,
quero te amar,
você pra mim é tudo,
minha terra, meu céu, meu mar

Quando você vem pra passar o fim de semana,
eu finjo que tá tudo bem, mesmo duro ou com grana
você ignora tudo o que eu faço
depois vai embora

meu mar, meu mar, meu mar…
Minha terra, meu céu, meu mar…

Meu Mundo Gira Em Torno De Você

A folha ama a árvore
Te amo mais
A estátua grega ama o mármore
Te amo mais
Mais que a casca ama a semente
Mais que o ovo da serpente
A serpente

Porque meu mundo gira em torno de você
Um pouco de amor
Resiste a tudo
O mundo inteiro gira em torno de você

Eu sei que o zero ama o infinito
Te amo mais
Assim como o bolero é bonito
Você é mais
Mais que eu amo a melodia
Mais que o poeta a rima
E a Metonímia

Porque meu mundo gira em torno de você
Um pouco de amor
Resiste a tudo
O mundo inteiro gira em torno de você

Do começo sem começo até o fim sem fim
Cuido de você, meu bem, você cuida de mim

Ampulheta

O meu tempo foi sempre demasiadamente fugidio devido a minha incapacidade de ter um saudável gerir do tempo. Sou sempre um descuidado e acelerado, deixando escapar entre os dedos sempre momentos e unidades de tempo preciosas que no meu espirito deixam a sensação de terem sido perdidas.

Cada vez mais tenho a ansiedade voraz e um apetite ávido por consumir cada segundo naqueles momentos mais importantes, como se houvesse um medo deles não se repetirem, ou não ter a hipótese de os gozar novamente. Esta sensação de não querer esbanjar o meu tempo de vida é também um perigo de na sofreguidão destruir o pleno saborear, castrando a sua essência e valor.

Talvez a vida tenha sido feita para ser desfrutada com temperança, de forma plena e em equilíbrio mas também sem estar languido refastelado ao sol, à espera que nos caia do céu o maná muito generoso para o esforço praticado.

Uma coisa podemos ter como certa: a areia da ampulheta não cessa de cair até ao momento que se esgotar. E é com esse axioma que posso contar, reavaliando alguns dos meus momentos mais sofregos ou mais apáticos.

Afinal é possível aguentar um embate com a ressaca de parar de fumar, desde que estejamos com alguma força de vontade. É certo que estou com os nervos em franja, que todo o corpo parece meio dolorido e que na minha boca há invariavelmente um chiclets ice de canela a libertar algum sabor para disfarçar qualquer vontade.

É estranho sentir aqueles flashes momentâneos de junky, numa espécie de pânico inconsciente de que agora era a altura que eu pegava em mais um cigarro. Hábitos encerrados bem fundo na consciência, mas que não resistem a trinta segundos de introspecção.
Nesta minha tentativa empolgada para deixar de fumar sigo uns princípios simples:

  1. Prometer a mim mesmo que vou chegar ao fim do dia sem tocar sequer em algo que tenha folhas de tabaco (cigarros, cigarrilhas, charutos, charros e beatas)
  2. Evitar rapidamente qualquer local que tenha o odor fétido do tabaco a arder; não olhando sequer para qualquer tabaco, maço, ou até vending machines.
  3. Inventar mil e uma quebras de rotina, desde as mais singelas, até às mais absurdas ocupações, submetendo o corpo e espirito a constantes situações de adaptação. No fundo descompensações constantes.
  4. Exercícios de respiração, desporto, insistência em puxar até ao limite o corpo.
  5. Bebendo água desmesuradamente, evitando o aumento de apetite e outros desconfortos.
  6. Mantendo ocupada a boca (mascando, roendo, mordendo, etc.), com movimentos e sabores, incluindo uma higiene oral capaz de levar à erosão de esmalte.

Para já os pulmões começam apenas a fazer uns queixumes, uma tosse ainda medrosa de alivio, num início de desintoxicação orgânica que leva anos a libertar o alcatrão. Está a valer a pena.
Tenho consciência que o pior periodo é sem dúvida quando se chega às semanas dois e três. O espírito e o empenho começam a quebrar e pecadilhos rumo à recaida são vistos de forma menos grave e surgem uma data de descupabilizações face a diminuição da força de vontade, numa epóca em que ainda não nos libertamos da dependência organica de forma consistente. É dessa fase que tenho mais medo.

Não gosto de me torturar. Não tenho vocação de masoquista, nem de vítima. Mas para superar algumas vicissitudes e entraves é necessário reportar as nossas carências e pecadilhos, o fim e exorcizar os nossos demónios da dependência de tóxicos. A humilhação e a partilha das nossa fraquezas e a melhor forma das enfrentar, como nos AA, construindo uma base sólida, um estofo de humildade reconhecendo os erros e a nossa fragilidade.

Eu sou tabagista. Fumo há 15 anos. Comecei a fumar embebido nas atitudes rebeldes de adolescência, mesmo consciente dos riscos do cigarro. Era um hábito social e melhorava a aceitação num grupo, numa perfeita idiotice de conceitos dos late 80s. Viciei-me. Tornei-me dependente de nicotina muito rapidamente, nessa necessidade de sorver ar queimado, repleto de um cheiro nauseabundo que rasga a garganta e brônquios. Sem esse tossir o corpo revolta-se, chamando por mais veneno, e a cabeça com o tique do hábito de mão faz soar todas as campainhas na ausência daquele tirano, envolvido em papel branco e castanho. Cheguei a levantar-me da cama para fumar, e fumar antes do pequeno almoço.

Já tentei várias vezes parar com este vício, sem muita convicção, apenas por umas frustrantes semanas de profundo nervosismo, catatónico, dopado, ansioso. Ressacado. Humilhado. Frágil.

Hoje torturo-me numa última vez. Só quero chegar ao fim do dia sem ter levado um cigarro à boca. Um dos 20 que levava diariamente à boca e acendia maquinalmente como se fosse um acto tão normal como respirar. Estou já a sentir os primeiros ecoares fisiológicos da abstinência, da privação de um toxico há muito embebido no meu organismo que está por isso debilitado. cancro dos pulmõesDurante semanas a coisa vai piorar. Tenho que me afastar de sítios poluídos e locais cheios de suicidas com cigarros à arder. Tenho que deixar também o café, para reduzir a necessidade desses hábitos de simbiose.

Não foram esses anúncios parvos nos maços que me decidiram a tentar a luta diária para deixar de fumar. Todos os fumadores estão cientes dos riscos, mas não têm uma sapatada nas costas com força, um empurrão, um apoio que os acelere para essa libertação da dependência física e psicológica da droga vendida pelo estado. Eu hoje tenho esse empurrão esse apoio, e acima de tudo essa vontade de me libertar antes que o meu sangue deixe de receber oxigénio.

Já chega de alcatrão e monóxido de carbono nos meus pulmões. Já estou farto de ter um ticket para a lista de espera para um cancro do pulmão, de um AVC, de uma angina de peito ou de uma bronquite crónica, numa morte mais próxima e sofredora. Já estou farto de gastar dinheiro num produto que de facto não necessito e apenas piora a minha vida. Já estou farto do odor nauseabundo na minha casa, no meu carro, na minha roupa. Já estou farto de ter o meu olfacto e paladar obstruídos e dormentes. Já estou farto de não ter fôlego. Já estou farto de ser um jogador da roleta-russa!

As últimas semanas têm me dado uma série de lições de vida muito importantes. Novos valores pessoais, uma nova capacidade de apreensão e sobretudo um gosto mais elevado pela vida.

Mesmo assim estou a passar o rebound habitual do fim do Verão e começo do Outono, como se estivesse também a murchar como as folhas castanhas-douradas nas copas das árvores esperando por cair finalmente.

Balanceio freneticamente entre a alegria desmesurada e a nostalgia do fim de estação.

II – Frases que se perpetuam

Esqueço-me que as palavras também se materializam, que passam de um pensamento a um estado visível de transmissão. Quando são ditas, as palavras apenas passam à distancia que o som e o ar as permite transportar e são actos efémeros audíveis, completamente momentâneos e raramente reproduzíveis novamente na sua essência, timbre como são proferidos e conotação com a língua, a boca e os lábios o emitem.

Quando as palavras passam por uma caneta, uma máquina de escrever, um teclado, tomam outra alma, são já um compromisso materializado de um pensamento, ideia ou emoção. Podem ser lidas repetidamente e os seus significados circunscritos dissecados, pondo a nu toda a sua expressão e mensagem.

Mesmo que sejam destruídos o seus suportes, como o papel, ou estas pacatas páginas, essas palavras atingiram uma substância eternizada que se perpetua, sendo eterna mesmo que já não existente, pois ouve uma prova palpável da sua presença.
Essa marca de que as palavras são para todo o sempre fustiga hoje a minha leveza de escrever. Toda a ânsia e escassez de tempo com que matraqueio o teclado, não me dá a lucidez de transportar a clareza do que pretendo enviar numa simples mensagem.

Quando as minhas memórias e emoções são aqui depositadas não estão escritas na areia à espera de uma onda que as apague, nem estão só marcadas a canivete na cortiça do tronco de uma árvore. Essas memórias e emoções serão depositadas transportadas numa capsula do tempo, para sempre incorruptíveis num vácuo temporal. E quando é assim, deixa uma efeito semelhante a uma ponte para a eternidade e que depois de ser lançada não pode mais ser alterada, rectificada ou repensada, como a placa que viaja na sonda Pioneer 10 a 12,5 mil milhões de kilometros da Terra, uma mensagem da humanidade que muito provavelmente sobreviverá a extinção da humanidade e civilização que a concebeu.

I – O peso das palavras

As palavras têm muitas vezes um significado muito peculiar e forte, dependendo em muito do momento e do contexto em que são pronunciadas ou escritas.
Eu infelizmente dou excessivo valor a algumas e menosprezo outras frequentemente, dando-lhes uma relatividade muito própria na minha personalidade muitas vezes sombria. Esqueço-me que as palavras são meros objectos de transporte e significação de actos e imagens, que apenas pesam uma tonelada, ou são leves como uma pluma, em função do que vai na alma de quem as solta ao vento.

As palavras devem ser medidas apenas quando chegaram ao chão, desnudas da emoção da pressa de serem ditas ou escritas, funcionando apenas como um marco momentâneo de circunstancias e alvoroços. Quando tal acontece, a sua beleza ou fealdade sublima-se transportando-nos para significados mais profundos dos pensamentos e emoções, num campo intervalado, sem maquete, luzes, câmara e acção.

Não existindo o barulho nem as falhas de um pensamento irreflectido e contingente, é fácil por de lado aqueles conjuntos de vogais e consoantes, de verbos, pronomes e sujeitos. As palavras são então coadas de sarcasmo momentâneo, dissolvidas do vocabulário impertinente, decantadas de impuseras gramaticais, escoadas de subterfúgios de incompreensões.

Depois da alquimia da purificação das palavras fica a mensagem velada, o seu verdadeiro significado. Onde estava um insulto, pode antes estar um pedido de compreensão; onde estava um impropério estava antes uma chamada de atenção; onde estava um rosnido estava antes um pedido de afecto.

Tenho que começar a fazer uma alquimia às palavras que me ecoam, agarrando a sua essência, não me deixando levar no seu tom áspero, e antever por detrás de um grosseiro véu, o linho, o veludo, o cetim e a seda que transportam. Desejo também que a minha língua e a minha caneta se desprendam, não calculando sempre os quilos, gramas e miligramas que as frases que profiro contenham, de forma a não me prender, nem me conter de soltar gritos e actos falhados ou palavras feridas, pois elas são um podre fruto parido de cuja semente floresce num novo e luxuriante jardim.

À VENDA NA FNAC!!!

Estou muito feliz por M. ter finalmente o seu livro à venda na FNAC e por também ter tido um raio de sol na sua vida profissional. Já chega de ser Lello!
Além do livro que lí quase em primeira mão, é com muito gosto que partilho o Dulcineia no meu servidor, assim como o antigo site D.Quixote.
Tu mereces, amigo poeta!