Setembro 2005

Se conseguires entrar em casa e
alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra duma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha – não te assustes

são os teus antepassados que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos e vêm
visitar-te

diz-lhes que vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo – diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos
e adormece sem lágrimas – com eles no chão.

Al Berto in LIVRO DECIMO TERCEIRO

No meio da depressão económica e social que o meu país se encontra, começo a encarar que viver em Portugal não será propriamente algo que se encare de ânimo leve. Isto porque temos opções de viver onde muito bem entendamos. Cabe a um pessoa inteligente decifrar se o país em que se encontra, mesmo que seja o país natal, é ou não o local ideal para passar o resto da sua vida. Actualmente não me parece que esse seja o caso.

O meu país tornou-se um patético postal ilustrado, onde as instituições e o próprio estado apenas funcionam na aparência. Tudo o resto parece um enorme fogo-de-vista para inglês ver onde na verdade se vive acima das possibilidades e se gasta o que não se tem.

Tenho pena que o meu imaginário patriótico tenha caído ao chão. Não há mais paciência para suportar todas as opções erradas que se fazem na roda política e empresarial, ao mesmo tem que existe uma inanição total de cidadania e até de civismo dos portugueses. Não há descontentes, excepto quando se trata na possibilidade de se vir a trabalhar mais.

Não admira portanto que quem tem capacidade de iniciativa esteja a equacionar emigrar ou até já tenha dado o salto.

É caso para escrever:

o último a sair que feche a porta!

As fronteiras que delimitam os nossos movimentos podem ser prisões. Durante muito tempo deixei que a minha liberdade individual fosse reprimida, ou por assim dizer, que me colocassem grilhões contra a minha vontade.

Hoje sei que não permito que existam barreiras que me comprimam e me roubem o espaço vital que necessito para Viver. Acredito piamente que o destino somos nós que o fazemos, e que se baixarmos os braços os nossos horizontes rapidamente ficarão encurtados, ou pior, ficaremos reféns de estabelecimentos prisionais que nem sequer tentamos fugir. Não quero mais ser escravo das ideias preconcebidas nem da inércia rotineira.

É pena que demorasse tanto tempo a aperceber-me disso.