Julho 2006

Meia década é uma medida de tempo demasiado longa para o meu gosto. De todos os projectos que me propus levar a cabo ao longo da vida não duraram tanto. Muitas vezes a volatilidade do meu planeamento não me permite levar a cabo durante tanto tempo os planos de longo curso. Também não é normal antever à distância de 5 anos, que resultados teremos da obra que acabamos de começar, e se vá evoluindo ao longo do percurso. O que ao início podia ser um relato irreverente de vivências para um grupo restrito de amigos passou aos poucos a ser um fiel depositário de momentos intimistas, ou até uma forma de expressão que age como uma válvula de descompressão.

Quem sabe se o gosto ou alguma maior constância da alma, hoje o meu diário atinge um aniversário sugestivo, e que se revela um companheiro e amigo que me tem secundado numa parte já significativa da minha vida. É com algum prazer e às vezes até muita perplexidade que revejo alguns posts passados, revejo algumas fases importantes da minha vida. Desde as dificuldades e abismos emocionais, às façanhas e alegrias que perduram, há de tudo um pouco.

Nesta cápsula dinâmica do tempo cabem muitos pensamentos, imagens e poemas que me têm atormentado ou motivado, acabando por me felicitar por ter um confidente tão estranho para um homem de meia-idade. Talvez a juventude da alma, a insensatez do momento ou a necessidade de tratar mal a língua de Camões motivem uma relação tão longa e frutuosa. Um bichinho que me faz companhia nos bons e maus momentos…

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa, ou como um címbalo que tine. E ainda que eu tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e tivesse toda a fé, até ao ponto de transportar montanhas, se não tivesse amor, não seria nada. E, ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse amor, nada me aproveitaria.

(Carta de S. Paulo aos Coríntios I 13: )


Algo de verdadeiramente impressionante na vida é que esta se rege também de acordo com a lei do caos. Mesmo que se consiga idealizar um futuro, determinar as variáveis com mais impacto nesse espaço temporal, um pequeno batimento de asas de uma simples borboleta pode causar um furacão não esperado noutro espaço da nossa vida.

Mesmo quando os parâmetros estão cinzentos, e se faz uma previsão para uma chuva torrencial, pode aparecer a mais doce bonança. Tudo porque pequenas nuances escapam as equações dos modelos de previsão e que podem trazer fortes impactos. Mas é neste espaço de quase incerteza que a tômbola da vida gira e nos vai premiando com grandes jackpots. E isso é o piri-piri da vida.

Toda a minha pequena jornada tem sido disso exemplo: não se fazem planos que não possam ser abandonados logo que o caos no dê uma patada daquelas que doem. É necessário saber que na esquina está a mais profunda incerteza, mas que pode ser o el gordo, como não. Só é necessário comprar a rifa e não perder a esperança.

Eu tenho a noção que algures uma borboleta bateu asas e algo muito surpreendente se deixou abater de repente no meu presente. Viva o caos!


Às vezes apercebemo-nos que amadurecemos e que estamos mudados. A matriz da alma modificou-se sem avisar, alterou-se, melhorou-se sem que tivéssemos consciência da requalificação interna.

O Verão sempre foi um florir de intensas emoções ou um sublimar de esperanças. De mão dada com um Sol cada vez mais intenso, é normal nas minhas recordações, atingir uma espécie de pedrada de estio. Sentir-me livre e vivo. Alegre.

Este ano foge à regra. Todos os hábitos caem por terra, todas as recordações não fazem sentido. Não é o estio que me faz pulsar. Nem são as esperanças que me alegram, ou o sol que me aquece o espírito. É algo mais substancial, menos efémero. É algo de permanente que não desaparece numa ressaca outonal, ou se esfuma numa memória devidamente arquivada no cérebro na zona denominada Verões do passado.

A vivência é outra, a maturidade e equilíbrio são o sustentáculo de um novo paradigma, daquilo que eu sempre desejei e agora está comigo. Um pico de felicidade. Um verdadeiro e absoluto Cloud 9 .