Setembro 2015

É com uma enorme vergonha e até repúdio que descubro nas redes sociais tanta gente expressando a sua xenofobia. Tudo porque nos é pedido, a nós portugueses, para darmos acolhimento aos refugiados sírios.

No meio do desastre humanitário que é guerra civil Síria é confrangedor ler tantos disparates acerca de emigrantes árabes como se todos fossem uma cambada de adeptos do ISIS infiltrados na Europa. A santa ignorância faz com que pessoas pacatas mostrem a fraca fibra moral. A Síria é das poucas regiões do médio oriente onde conviviam várias religiões, inclusive a cristã. E a julgar pelo andar na guerra naquele país, serão esses cristãos que mais temem pelas suas vidas a ponto de tentarem chegar apesar dos inúmeros perigos aos tolerantes países europeus. Mas ao que parece, para muitos países europeus essa tolerância está só escrita nas suas constituições. O medo e o ódio acerca destes acontecimentos muito me recorda o pesadelo de há 70 anos com os senhores das suásticas.

Neste caso, a estupidez humana não para de me surpreender: muito porque a falta de cultura e a iliteracia imperam cada vez mais na era da Internet – e ao contrário do que eu suponha – quanto mais informação (e desinformação) a circular, mais fácil é manipular os estúpidos. É para piorar tudo, os estúpidos têm voz nas redes sociais e as suas afirmações ignorantes chegam sempre aos ouvidos de outros patetas que preferem ler mensagens de medo e ódio, do que simplesmente consultarem a wikipedia.

Ajudar quem está em perigo de vida é um dos lemas teóricos da racionalidade humana, a solidariedade uma das premissas da vida em sociedade, seja qual for a religião ou credo. E manifestamente isso está esquecido.

O conflito da Síria já se iniciou em 2011 e tem escalado numa guerra civil hedionda com radicais islâmicos a cometerem as atrocidades que têm vindo a público. A triste realidade dos refugiados sírios inunda os nossos telejornais há anos, e nós europeus não quisemos saber.

Inicialmente chegaram os clandestinos tunisinos e líbios oriundos de uma primavera árabe – que se tem vindo a revelar um dos piores pesadelos do século XXI – é que os europeus começaram a ver com outros olhos o problema que era o mediterrâneo.

Não tardou para que se vislumbrasse as tragédias sucessivas da travessia do Mare Nostrum. Poucas foram as semanas que não houvesse noticias de naufrágios e barcaças atoladas de gente desesperada com crianças e que ceifavam vidas as centenas. As imagens da guarda costeira italiana a recolher os tais clandestinos ou os seus corpos foram frequentes.

Só quando começaram a chegar barcos carregados de refugiados sírios os dirigentes políticos começaram a mostrar preocupações acerca da catástrofe humanitária que decorre há já cinco anos no médio oriente.

Durante 2015 começou-se a dar outro êxodo e este agosto milhares de refugiados e «clandestinos» terão perdido a vida nessa travessia desesperada. Não vi grande contestação e repudio pelo que estava a acontecer. Os europeus estavam de férias provavelmente.

E eis que se deu uma pequena tragédia entre muitas, mas que foi fotografada de uma forma icónica: o corpo de criança afogada numa praia na Turquia resultado dessa travessia desesperada. Só então, parece que nós europeus despertamos. Não eram números nas noticias, não eram refugiados que tentavam saltar cercas ou atravessarem túneis. Eram os restos mortais de um pequeno menino morto no mar. Uma imagem que valia por mil, ou melhor, milhões de palavras. E finalmente , nós europeus percebemos que existe uma catástrofe humanitária em que centenas de milhar de seres humanos tentam fugir à morte e entrar na pacifica Euripa e no seu desespero de atingir um porto seguro estão dispostos a correr todos os riscos pois já não têm nada a perder.

E o que ainda me custa mais é que se discutem quotas entre os líderes europeus acerca de quantos refugiados cada país da união europeia está disposto a receber, enquanto outro menino e seus pais tentam fugir da morte e entram numa outra barcaça.