censura

Estou a ler novamente Henry Miller. Nunca um escritor me deu simultaneamente tanto prazer e repulsa nos seus textos efervescentes de vida.

Um dos problemas da leitura deste deus da literatura é que não se pode ficar indiferente à corrupção da mente e holocausto da banalidades que nos são introduzidas página após página. Miller consegue transmitir o ódio à hipocrisia da sociedade e semear um sentimento de rebeldia visceral até num cordeiro como eu. 

Trópico de Câncer está ainda mais pesado para a minha mente que o poderoso estalo que recebi com Trópico de Capricórnio,  deixando a nu uma Humanidade deprimente e sempre deixando a sexualidade cavalgar desenfreada. E tudo num cenário de crise da Grande depressão, o que me recorda que nas alturas de crise se transcendem os limites da da bondade assim como da maldade dos homens. As revoluções nascem da miséria assim como a fome e o desespero são os catalisadores das mudanças mais radicais e profundas.

Sou amigo do Mário Crespo há muitos anos e tenho-o na conta de um homem independente e sério, o que não significa que partilhe muitas opiniões com ele, ou que entenda que ele é um modelo de jornalismo. Também não acho isso de mim próprio, ou de ninguém em particular.

A liberdade é a coexistência de modelos e não a imposição de um em concreto.

Ao longo de mais de 30 anos de carreira jornalística – e nesse particular sou mais antigo do que o Mário – não me lembro de um cronista ser dispensado depois de a crónica estar pronta a ir para a oficina. E o que isto significa é que os limites da liberdade estão mais apertados do que nunca.

Tenho o director do JN, José Leite Pereira, na conta de um bom profissional e de um homem independente e sério. É jornalista há muitos mais anos do que eu, tem uma experiência considerável. Não creio que ele se impressione com uma crítica a Sócrates, como não creio que ele exigisse gratuitamente a Mário Crespo uma confirmação independente de fontes. Provavelmente, não o faz (nenhum de nós o faz) quando, em vez de Sócrates, está um outro cidadão qualquer em causa.

Porém, no caso do primeiro-ministro as palavras são relevantes, já que proferidas por quem tem a responsabilidade do poder executivo neste país. É certo que a conversa pode ser considerada privada, mas é igualmente certo que o bom-nome de Mário Crespo foi atacado de forma pública, ou jamais seria ouvida por circunstantes que nada tinham a ver com a conversa.

O que se passa, então?

Posso tentar avançar uma explicação: Mário Crespo tornou-se incómodo para Sócrates (e até para Cavaco, que denunciou em algumas crónicas), e a sua incomodidade estava a deixar o próprio José Leite Pereira numa situação difícil. Por isso o director do JN recorreu a um excessivo escrúpulo jornalístico para resolver a questão. E decidiu não publicar a crónica.

Não posso condenar José Leite Pereira, não é do meu timbre julgar os outros. Apenas posso dizer que este é o panorama da nossa Comunicação Social: Grupos que dependem do poder do Governo, patrões que pressionam directores e editores até à exaustão, cronistas afastados por serem incómodos e uma multidão de lambe-botas que, prudentemente se cala ou arranja eufemismos para tratar a questão.

Tenho em comum com Mário Crespo o facto de trabalharmos num grupo onde nada disto acontece (felizmente não será o único). Talvez não estejamos inteiramente preparados para o mundo ‘lá fora’, onde as palavras têm de ser medidas, onde não se pode escrever preto no branco, como aqui faço, que Sócrates é o pior primeiro-ministro no que respeita à Comunicação Social; o único que telefona e berra com jornalistas, directores, com quem pode. O único em que nestes mais de 30 anos que levo de vida jornalística, se preocupa doentiamente com o que dizem dele, em vez de mostrar grandeza e fair-play com o que de errado e certo propaga a Comunicação Social.

Lamento dizê-lo, tanto mais que é nosso primeiro-ministro e seguramente tem trabalhado muito e o melhor que sabe.

Mas é a verdade, e num momento destes a verdade não se pode esconder.

Henrique Monteiro in Expresso

Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento. O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa.
Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo.

É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade.
Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados. Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência.

Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”. Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre. Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009. O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu. O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”. O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”. Foi-se o “problema” que era o Director do Público.
Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu. Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.

Texto Escrito por Mário Crespo que foi censurado pelo Jornal de Noticias dia 1 Fevereiro de 2010

Muitas regalias, mordomias, encantos e festas tiveram e vivi nos últimos meses. Tantos episódios que ficaram por relatar e que mereciam fazer parte das memórias escritas. Por isso início uma pequena série não cronológica e muito imprecisa de memórias mais ou menos esbatidas do trimestre. Alguns momentos foram obviamente censurados por pudor.

Compras natalícias, micro férias e até momentos de deleite, tudo foi tão diferente neste solstício. Foi mais fraterno e alegre e se não fossem os desgostos familiares tudo teria sido como que perfeito. Contudo a doença e a velhice não escolhem época para revelarem os seus inexoráveis pesos de chumbo. Mas na pesagem que temos que fazer a cada instante da nossa vida pude ver um equilíbrio, um balanço no cômputo de vivências… Desde a alegria de dar e partilhar algo com alguém importante, ao conhecer e sentir-se bem-vindo no seio de outras consoadas, houve realmente um cheiro genuíno a Natal como já não conhecia desde criança. E é disso que eu me quero recordar.

É importante perceber o decurso e a cronologia da vida. Nada como uma série de novos nascimentos, para me lembrar a forma como o tempo passa cada vez mais célere. Faz uns bons anos e relatava com prazer o sucesso a ferros do aparecimento do primeiro rebento do inspector P. e eis que um segundo rebento, desta vez varão começa a sua existência. Além dos nascimentos recebi uma grande perda, verdadeiramente irreparável. Há muito que estava anunciada, mas nunca se interioriza a perca de uma presença constante de três décadas. Fica a saudade e a frase feita de que a vida é assim.

Fico a pensar que aconteceu entretanto, e de facto tanto sucedeu e eu pouco apresento para contar, além de umas quantas medalhas de lata ao peito… E com certeza tempo de trabalhar para a medalha de valor…

Escreve-se quando a alma se apoquenta, mas também quando a mente desperta. No meu ponto de vista, só quando a vida nada nos diz ou muito nos cansa, e que não temos nada para dizer ou escrever.

Contido nem sempre fui capaz de colocar no papel os últimos pensamentos voláteis ou emoções, porém o desejo de me libertar dos meu próprio sentimento de me exprimir, faz-me voar num ensejo por vezes delirante. Quando a barragem transborda é mais simples, e quando a privacidade se mantém as frases acumulam-se prontas a sair, a criar uma quadro a pinceladas toscas e de cores vibrantes. Como um meliante que nos sussurros se exprime e diz o que quer dizer e também o que não quer dizer, é assim que gosto de escrever. Desinibido e profundo como gostaria que fosse.

Porém quando a censura auto-imposta se agudiza é fácil esquecer o que se deseja escrever. Tal sucede pois a vida nem sempre é um mar de privacidade e sim uma festa de partilha e de convivência e conciliar a partilha e a intimidade com o mundo é um contra-senso e uma asneira pela qual já tive que pagar a punição variadíssimas vezes.

Mas hoje o castigo não me parece ser mais doloroso que a mordaça.

The show must go on– (primeira parte)

Na tentativa de colocar em dia o meu diário meliante vou fazer um pequeno apanhado do que fiz nas últimas semanas.

The show must go on foi o ponto-chave dessa primeira semana que antecedeu a labuta. Sempre às voltas com pequenas burocracias sem poder aproveitar muito eis que surgiu a oportunidade de não deixar passar o PONTI em branco, indo ao S.João com I. Jo. e N. para ver uma peça de Jérôme Bel denominada The show must go on. A peça era estranha mas interessante, talvez pelo facto de não ter um guião dito normal e mais parecer um exercício em que uma música dava o mote para os 22 actores reagirem levando à letra a letra da música.
Depois fomos encher a pança ao Maiden e I. pediu um crepe de bacalhau sem bacalhau que estava divinal.

Nessa sexta mais uma peça no Sá da Bandeira. Qual o meu espanto que quando chego há uns homens suspeitos porta em reboliço entrando e saindo. Afinal a peça havia sido adiada sem aviso e já estavam a passar As escravas do Sexo III.
Enfim o Porto 2001 ao seu melhor…
Plano B foi uma ceia com uma pasta divina.

Sábado foi dia de operação Vigo 2001 – o Reencontro Final com um elenco de respeito, mas sem a presença do Dr. P. que teve que recusar um dos papeis principais, pois estava já a rodar o jantar com as assistentes – parte II.

Eu, A. M. e J. que tomou as rédeas da nossa expedição. E como em Roma sê romano fomos ao Corte ver las beldades da perfumaria e comemos una mixta de faca e garfo como il faut. Mas como a tradição já não é o que era lá fomos jantar ao chinês e para cumulo venha daí um remate de Íris coffe. Mas a tradição cumpriu-se com a abertura das hostilidades com as tequilhas em ferro, e desta vez sem J. ter sido assediada pelo barmen. Apesar do frio a noite rapidamente esteve ao rubro e … (cenas censuradas ) … , e logo M. conseguiu arrancar um chocolatito amargo do tecto para levar um repreendida do barman e apesar das suas insistências para que a sua medalha de chocolate lhe fosse devolvida pela guapa de grande pujança pulmonar só obteve um lacónico “cojones” como resposta! … (cenas censuradas ) … e chegamos ao hotel de categoria não sem antes M. não ter arriscado que lhe dava um pontapé no pé.

De volta cedo o dia revelou-se uma interessante demonstração de que o sistema democrático ainda pode funcionar numa das eleições mais emocionantes desde o fim dos setenta, de que me lembro que estive em vários fervorosos comícios na baixa. Isso deixou-me feliz.

E eis que nessa segunda-feira retorno à velha economia.