crise

3 . Pintando o arco-íris

Quando a porta permanecia fechada a sete chaves e os dias teimavam em se repetir em clausura, a vida continuava. Para minha grande surpresa, viver fechado podia não ser assim tão mau. Junto das almas que mais amo, não me faltava o que de verás é o mais precioso podemos possuir: amor.

Preocupando-me no entanto com as notícias calamitosas acerca do alastrar do bicho, com a economia e o ganha-pão do nosso lar não podia respirar paz. Às vezes à noite acordava sentindo-me preso num pequeno pesadelo que afinal era a realidade. Talvez o que me prendia mais o peito era a segurança dos meus pais e dos meus sogros que não víamos nesse período. We are all going to die someday. Era talvez a ideia recorrente que me trazia a insónia insidiosa daqueles dias.

Não foi fácil enquadrar todos os pensamentos que me corriam na cabeça, a forma descabida de estar desocupado. Felizmente nós humanos, muito embora sejamos animais de hábitos, somos também muito versáteis. Estava já em contacto diaria via telemóvel com os meus amigos mais chegados, numa forma, qui çá, de entreajuda de comunicação e desabafo à distancia – memes, longos diálogos. piadas e pornografia q.b. . Já que não conseguia correr do outro lado da porta, dei por mim a fazer um plano de crossfit caseiro bem austero para manter a forma física. Quanto à mente aumentei a dosagem da meditação e fui mergulhando aos poucos no fascinante muito espiritual budista, algo que me deu ferramentas concretas de combate mental pandemia. Em particular o budismo tailandês da tradição da floresta, ouvindo os ensinamentos da Ajahn Chan e Ajahn Brahm que começaram a ser regulares nos meus headphones enquanto fazia as tarefas domesticas.

Logo depois tive a incumbência de pela primeira vez me aventurar além portas, buscar viveres que não chegavam pelas entregas ao domicilio. Isso e ir comparar mascaras e desinfetantes, algo que hoje já faz parte do nosso novo normal, mas que na altura ou estavam esgotados ou eram vistos como aberrantes. Colocar o pé no corredor fora de casa e calçar-me tentando não tocar em nada, além de me deixar semi-aterrorizado era de facto estúpido. O Estado de Emergência estava prestes a ser decretado nessa altura e quando peguei no carro e ver as ruas ainda cheias de gente, desprotegidas e sem distancia social pareceu-me algo saído de um livro do Stephen King, mas com esteroides. No supermercado, já com muitas prateleiras vazias mas sem máscaras sentia um pavor que nunca tinha sentido antes. Ainda para mais a minha cidade liderava o top de casos positivos. Quanto regressei a casa, e me despi depois depois de me encharcar de álcool para de seguida tomar banho fiquei com a sensação que aquilo não era um estilo de vida decente e que ninguém podia viver assim muito tempo.

Enquanto as crianças pintavam arco-íris com as inscrições de vai ficar tudo bem, eu senti uma amalgama de emoções. Pensar positivo faz bem, mas a realidade não é escamoteável. Não deixariam de haver mortos, doentes, empregos perdidos, e todo uma parafernália de comportamentos diferentes. Mas colocar à janela esse desenhos coloridos dá um sentido de comunidade de que não enfrentamos sozinhos estes tempos diferentes, mas sim em pé de igualdade com todos. E fazer parte de um todo é sempre mais fácil, mesmo que a mensagem de esperança fosse enganadora.

2 . Quando se instalou o pânico

Logo quando me vi em quarentena senti uma estranha combinação de emoções.  Já as escolas fechavam e as incertezas eram muitas, que o que me preocupou inicialmente foi colocar em segurança os meus. Ao sentir que o isolamento era a única via eficaz de se estar seguro, no meio de tanta informação errónea e pavor difundido nos média apercebi-me que havia a necessidade de me acalmar. Estávamos seguros. Isto na eventualidade de já não estar contaminado. Sentia um misto de pânico e alívio: mergulhávamos numa grande incerteza mas ao mesmo tempo eu sabia que estava a tomar a atitude mais sensata.

Quando surgiu a primeira segunda-feira que não saí para trabalhar nem levar as crianças para escola, a minha mente baralhada não assumia um registo de vida doméstica voluntária nem de descontracção. Afligia-me com a óbvia incerteza dos próximos dias e semanas (sem imaginar que seria mais indicado contabilizar meses). Primeiramente o terror pelo medo de adoecer com o vírus ou de o já ter transmitido aos meus pais, à minha mulher ou aos meus filhos, depois com a possibilidade de colapso económico que se poderia abater.  E aqueles pequenos prazeres da vida que me são tão caros, como correr ao fim do dia teriam de ficar em suspenso: era algo que estava do lado errado da porta de casa.

A primeira semana foi talvez a mais complicada. A minha mente não se adaptava e não queria dar sinais de preocupação aos meus entes queridos. Sei hoje porém, que apesar de tudo, era apenas uma mera nova realidade que me custava a assimilar e a entender. Todo o ser humano teme a incerteza, por muito aventureiro e corajoso que seja o seu temperamento. A grande questão que se coloca prende-se de como o encaramos. Se é algo que não podemos controlar isso motiva dentro de nós um turbilhão de pensamentos, expectativas e ansiedades que nos consomem.

Há mais de dois anos numa altura de bastante desassossego interno decidi tentar meditar. Eu pensei que fosse uma boa forma de apaziguar a mente, combater as depressões sazonais e diminuir o stress. Para meu espanto, a tarefa revelou-se bem mais difícil do que tinha imaginado. Meditar em si, não é muito fácil – estar quieto, a sós com a nossa mente liberta o tal cérebro primata que se recusa a serenar ou a obedecer a vontades. Mas com o hábito e com algumas meditações guiadas, a prática começa a dar alguns frutos. Agora que medito regularmente desde então, fiz-me valer desse caminho para encontrar alguma paz em tempos de pandemia. Nos primeiros dias, apesar de estar bem capaz de meditar profundamente a minha mente lutava na sua ansiedade em se tornar calma. Parecia de novo um noviço, que fechava os olhos e não sentia a calma que advém de quem segue o caminho meditativo.

Saber que um vírus, um pedaço de sequências genéticas, um parasita microscópico sem vida, fez parar o mundo tal como o conhecemos é como que absurdo. Mas de facto aquele ser minúsculo  abalou os alicerces das nossas convicções sociais, fez vacilar políticas e arrasou economias. Como algo tão pequeno e basicamente invisível provocou tal alvoroço fez-me pensar e também meditar numa questão que para mim é cada vez mais importante entender: tudo nesta vida é transitório. Mesmo as coisas que temos como dados adquiridos e imutáveis são de facto passageiras.  De repente a ideia de que coisas tão simples do nosso quotidiano tais como viajar, abraçar a família e os amigos, ir a um restaurante, ir a uma loja tornaram-se actividades perigosas e em breve proibidas. Tudo que considerávamos como as bases da nossa liberdade individual, da nossa sociedade de consumo em tempos de paz, não passavam afinal de actos meramente efémeros, sujeitos a imprevisíveis condicionantes do destino. A solução seria deixar ir… Ou algo assim, se é que o destino existe…

As notícias anunciavam um número crescente de mortos e unidades de cuidados intensivos começaram a encher-se. Em Itália o descalabro fazia-se sentir e em Espanha a hecatombe iniciava-se. As certezas eram poucas e obviamente aquela história de lavar bem as mãos não era o suficiente. Os sites de entrega de mercearias e supermercados online simplesmente deixaram de funcionar, tal era a procura, ou na melhor das hipóteses só fariam entregas para dali a umas duas ou três semanas, o que, dadas as circunstâncias, mais pareciam as calendas gregas. E assim foram aqueles primeiros dias de confinamento.

Nesta época em que se aproxima o estio, o cansaço aperta de mãos dadas com o calor. Recordo-me que há uns bons anos atrás quando trabalhei temporariamente na grande cidade, e que comecei a escrevinhar aqui, de sentir o calor esmagador de um Agosto interminável. Ainda não é Agosto, mas sinto essa mesma sensação de desnorte. Quando inevitavelmente terminou esse Agosto seguiu-se pouco depois um acontecimento que marca o fim uma época da humanidade: tal como a queda de Bizâncio – o ataque à torres gémeas.
Aquela derrocada ainda hoje se faz sentir no meu ponto de vista ergue-se cada vez mais uma nova era, que está repleta de maus agoiros. O cheiro a guerras, fomes, pestes e mortes abunda cada vez mais nestes tempos tristes. O populismo das políticas mais xenófobas, do crescente ódio aos estrangeiros e emigrantes, do capitalismo cada vez mais desregulado que abundam na Europa e no resto do mundo, que se parecem cada vez mais com as lições esquecidas da História dos anos trinta do século passado.
Aqui neste jardim à beira-mar plantado vivem-se tempos de pós crise económica, mas vivemos ensombrados com os bombardeamentos de notícias sensacionalistas do exterior e de não-noticias do que se vive neste pacato país. Caem ficticiamente aviões Canadair e fazem-se contabilidades mórbidas de incêndios catastróficos onde se debate se morreram 67 ou 68.
Talvez se tenha perdido o foco do que realmente interessa: não presenciamos o presente nem tentamos melhorar o futuro. Vivemos um presente medroso cheio de factos alternativos que nos chega a casa pelos média e pela internet sem filtros. Temos medos e ódios incutidos pelos debates de 5 minutos e por ideais feitos por chavões desprovidos de conteúdo. Sejamos grandes novamente, dizem. Sejamos algo integro, digo.

Nestes dias de outono, quando as árvores se despem das suas folhagens e o castanho esvoaça pelo chão das ruas não consigo resistir a uma melancolia típica de quando as folhas caem e as nuvens cinzentas enchem os céus.
Os dias longos de calor estão já muito distantes no tempo, mas muito perto na memória, e a saudade dos raios de Sol a aquecerem a nossa pele aumentam.
As recordações do verão passado povoam a mente como se fossem de outra dimensão, como de outra vida de tão diferentes. A memória sensitiva do calor e a lembrança do cheiro a arreia da praia húmida ou do campo ao entardecer de um dia tórrido. Como se o olfato e o tato tivessem memórias próprias e zonas de conforto tão intimas que se dissociassem de tudo o resto. Dá-me um arrepio na espinha imaginar de novo essas sensações que desfrutei ainda não há muitos dias atrás. Hoje quando as gotas de chuva escorrem na minha roupa sinto a estranheza dos tempos e do tempo, ainda para mais que agora rodeado das intempéries agarro-me às boas recordações de um passado recente, feliz e despreocupado. Tenho que aprender a requisitar aos meu neurónios que reproduzam novamente a sensação de calma e equilíbrio que o verão me proporcionou, quando nestas manhãs outonais a sinto as buzinas de uma fila de transito, a ansiedade dos minutos que escasseiam e o desconforto do frio. Talvez eu aprenda nesses momentos de crise da rotina a buscar refugio nas sensações de estar entre as sombras das cerejeiras e oliveiras a brincar as escondidas com os meus ternorentos filhotes ou desfrutando de uma breve leitura na espreguiçadeira da piscina enquanto um olho vislumbra de vez enquanto as brincadeiras aquáticas dos garotos.
À medida que envelheço, começo a aprender finalmente que procurar ser feliz não está correcto na sua essência. É uma falácia, pois a felicidade é um caminho, e não um destino. Se está a chover e se está frio podemos ter e sentir o conforto e a satisfação do verão, mesmo no mais rigoroso dos invernos. Basta querer.

Estava um dia de Sol de Setembro e viam-se já as folhas das árvores a amarelecer quando me apercebi que o Verão tinha acabado e estava novamente num inicio de outono ameno.
Nesse dia, recordo-me seria aniversário de algum amigo intimo e não seria apenas um dia como os outros. Era um dia em que estava um alinhamento celeste estranho, isto para quem acredita no zodíaco – mas não era por aí que as minha intuição iria de mau a pior. Não era o trânsito caótico, nem a embraiagem do carro a roncar a necessidade de ser substituída,  nem a fraca prestação desportiva do meu clube no dia anterior que me estavam a angustiar.
O que me incomodava era uma notícia. Tão somente era uma noticia, semelhante a tantas outras, relatando um conteúdo que de tantas vezes repetido estava já banalizado. Tratava-se de mais um naufrágio nas águas do Mediterrâneo, onde uma embarcação com centenas de pessoas se afundara perto da costa da ilha de Siracusa. A marinha italiana resgatara dezenas de sobreviventes incluindo crianças. Os números as centenas e dezenas assim normalizado. A precaridade e a falta de interesse de sobre um drama que se repete continuamente e que de tão revivido deixou de fazer arrepios nas espinhas de quem toma consciência dos factos.
Aqui nas portas da ocidental e desenvolvida Europa morre-se por afogamento em viagens marítimas clandestinas, onde imigrantes desesperados fugindo à guerra e a miséria buscam para si e para os seus filhos refugio numa terra firme distante onde não são bem-vindos. Tentam entrar sub-repticiamente num El Dourado cercado por um mar impiedoso, onde os corpos dos afogados dão à costa. E isso já não é noticia para os autóctones que apenas se preocupam com cotas de refugiados que é preciso distribuir pelos estados membros.
Senti novamente um arrepio na espinha. Depois não voltei a ouvir falar nisso. Era em Setembro e hoje não me recordo do dia que ouvi pela última vez nas noticias da rádio que um barco ou jangada se tenha afundado. Talvez não haja mais afundamentos no Mediterrâneo. Talvez seja apenas mais uma notícia que ninguém quer saber. Ou que têm receio em saber.

O conflito da Síria já se iniciou em 2011 e tem escalado numa guerra civil hedionda com radicais islâmicos a cometerem as atrocidades que têm vindo a público. A triste realidade dos refugiados sírios inunda os nossos telejornais há anos, e nós europeus não quisemos saber.

Inicialmente chegaram os clandestinos tunisinos e líbios oriundos de uma primavera árabe – que se tem vindo a revelar um dos piores pesadelos do século XXI – é que os europeus começaram a ver com outros olhos o problema que era o mediterrâneo.

Não tardou para que se vislumbrasse as tragédias sucessivas da travessia do Mare Nostrum. Poucas foram as semanas que não houvesse noticias de naufrágios e barcaças atoladas de gente desesperada com crianças e que ceifavam vidas as centenas. As imagens da guarda costeira italiana a recolher os tais clandestinos ou os seus corpos foram frequentes.

Só quando começaram a chegar barcos carregados de refugiados sírios os dirigentes políticos começaram a mostrar preocupações acerca da catástrofe humanitária que decorre há já cinco anos no médio oriente.

Durante 2015 começou-se a dar outro êxodo e este agosto milhares de refugiados e «clandestinos» terão perdido a vida nessa travessia desesperada. Não vi grande contestação e repudio pelo que estava a acontecer. Os europeus estavam de férias provavelmente.

E eis que se deu uma pequena tragédia entre muitas, mas que foi fotografada de uma forma icónica: o corpo de criança afogada numa praia na Turquia resultado dessa travessia desesperada. Só então, parece que nós europeus despertamos. Não eram números nas noticias, não eram refugiados que tentavam saltar cercas ou atravessarem túneis. Eram os restos mortais de um pequeno menino morto no mar. Uma imagem que valia por mil, ou melhor, milhões de palavras. E finalmente , nós europeus percebemos que existe uma catástrofe humanitária em que centenas de milhar de seres humanos tentam fugir à morte e entrar na pacifica Euripa e no seu desespero de atingir um porto seguro estão dispostos a correr todos os riscos pois já não têm nada a perder.

E o que ainda me custa mais é que se discutem quotas entre os líderes europeus acerca de quantos refugiados cada país da união europeia está disposto a receber, enquanto outro menino e seus pais tentam fugir da morte e entram numa outra barcaça.

Para espanto de alguns a Grécia capitulou. Afinal o Syriza  não tinha um plano B e teve que aceitar as previsíveis consequências de afrontar os credores nomeadamente a Fräulein Merkel.

Se à priori todos sabíamos que o governo grego estava encostado a parede com um garrote financeiro urgente, alguns indícios estranhos como a convocação de um referendo que colocou os prazos para lá do viável no que toca aos compromissos de pagamentos, pareciam indicar que o Grexit estaria à vista. Mas não. Entre a opção dos agiotas partirem as pernas por falta de pagamento ou pedir mais dinheiro emprestado para pagar as dívidas e aguentar mais uns meses ou um ano ou dois sem que lhe dêem uma coça, os pobres gregos capitularam.

Ao aceitarem mais medidas de austeridade, contudo, os gregos no seu interminável calvário, são mais uma vez o bode expiatório e a evidencia que a construção europeia está condenada. Empobrecer mais um país exigindo que pague o que deve não tem razão de ser, simplesmente por uma questão de racionalidade. Ao apertar a economia está-se a impedir que ela possa criar riqueza para pagar as dividas – e o aumento de impostos e todas as medidas de contração da despesa pública só vão conseguir que a Grécia dentro em breve não possa conseguir assumir os compromissos de pagamentos ao FMI e ao BCE  que terá de fazer no futuro.

Ao capitular  a Grécia apenas levou para as calendas gregas a saída da crise.  A Argentina não pagou ao FMI , entrou em banca rota e depois de um choque de dois anos e desvalorização do peso argentino tem uma economia florescente e está já a recuperar da crise em que se tinha afundado.  A Grécia presa ao Euro afunda-se cada vez mais e agora atiraram-lhe com uma bigorna para se agarrar.

No rescaldo do referendo grego acerca da aceitação das medidas de austeridade impostas pelos credores o povo grego decidiu dizer não.
Cinco anos depois do primeiro plano de assistência financeira e medidas restritivas da economia a troco de financiamento a Grécia mergulha no desconhecido. O default de um país da zona Euro, impensável quando se idealizou o Euro é já ao virar da esquina.

As crises económicas que se têm avolumando na última década para os países periféricos e do sul da europa são parte das causas que levaram a este colapso da construção europeia. Porém a grande responsabilidade não reside só nas más práticas governamentais desses países mas também e em grande parte na falta de responsabilidade e visão dos grandes motores e potências da europa e dos seus grandes responsáveis. A ditadora Alemanha de Merkel, a ausente França de Hollande e o antieuropedista Reino Unido de Cameron não têm equacionado reformas urgentes na comissão europeia, onde cada vez mais os países nortenhos têm economias pujantes ao passo que as periferias se estagnam e marcam passo.

Dentro dessas reformas essenciais uma se destaca, nomeadamente a reforma fiscal de harmonização de impostos sobre os rendimentos, que deveria ter surgido a quando da entrada em vigor do mercado único e do Euro. Como se justifica que países como o Luxemburgo e Holanda atraíam empresas portuguesas para aí pagarem menos impostos deixando o país de origem com menos receitas?

É inexplicável como se deixa empobrecer um país em detrimento de outro e não se faz nada em contrário aí longo de uma década e se espera que tudo vasos funcionar.
Os gregos apegados com um garrote de impostos e desemprego disseram que já não ser revêem neste estado de coisas. Disserem oxi. E para quando um Não?

A crise do Euro aumenta e a possibilidade mais do que evidente que a Grécia vai sair do Euro é cada vez mais real. Graças a intransigência do FMI e dos governos europeus acerca das medidas de austeridade que querem impor aos gregos, os princípios  dogmáticas e políticos de parte a parte a parte levam rapidamente a construção europeia para a beira do precipício.

Uma verdade incontrolável  é que o abismo que se depara na Zona Euro não é o Syriza ter ascendido ao poder democraticamente por opção do povo grego, nem por ser de esquerda. É a incapacidade e miopia política dos lideres europeus, preocupados com ajustes orçamentais e contas de merceeiro e esquecendo na ultima década que a construção do Euro também se devia alicerçar na harmonização fiscal, um problema que todos quiserem varrer para debaixo do tapete. Os fundos de coesão são meros paliativos para a sangria e desigualdades económicas e sociais que se foram cavando.

Com políticas fiscais harmónicas, cada bandeira a saldos de impostos,  cedo ou tarde os pequenos e menos concorrenciais, tal como o Portugal sofreriam déficits orçamentais contínuos em direção a uma divida soberana insustentável.

Agora depois de um braço de ferro de gente sem grande visão de futuro a não ser o seu próprio umbigo nacional e eleições ao virar da esquina deixou-se arrastar até as ultimas consequências a luta do paga-o-que-deves-e-faz-favor-de-cortar-despesas e o já-chega-de-cinco-anos-de-sacrificios-para-estarmos-ainda-piores.

Talvez seja a altura da fuhrer Merkel, o palhaço Hollande, o Juncker dos paraísos fiscais, o Coelho amestrado e outros maus políticos perceberem que políticas econômicas restritivas não favorecem economias empobrecidas e têm danos sociais e políticos irreversíveis.

E assim que Tsipras faz hari-kari económico leva consigo a credibilidade posta nessa moeda em tempos chamada ECU e muito provavelmente consigo também os elos mais fracos da economia europeia – venha o PIGS que se segue…

No balanço do atentado ao Charlie Hebdo consigo compreender como uma iniciativa de repudio ao terrorismo abriu tanto debate. No fundo a liberdade de expressão é um tema cara a todos os nós que sentimos os valores fundamentais da democracia subjacentes à génese da revolução francesa – mas infelizmente algo que se tem vindo a perder.

Independentemente do macabro e bárbaro ataque por fanáticos religiosos, a uma redação de uma publicação ultra-satírica que todos devemos reprovar, penso que nem tudo é assim tão ”liberdade de expressão” como isso. A titulo pessoal detesto a sátira e a considero o mais mesquinha e patética forma de fazer humor, logo abaixo do de palhaços de circo. Mas quer se goste ou não da sátira, o Charlie Hebdo não era bem só isso e se supostamente não se impunha restrições de temas de cariz politico, social ou religioso isso não era inteiramente verdade. A velha questão de gozar com os judeus foi tida como anti-semita, logo racista e o cartoonista que abordou o tema foi despedido. Mas os contínuos ataques aos árabes e africanos estranhamente não eram vistos como racistas. Interessante ver como a tal liberdade de expressão parece uma bandeira que anda a favor de algumas vontades.

O terrorismo que se viu em Paris é o resultado inevitável que o ocidente tem vindo a destilar nos países islâmicos do médio oriente com as suas atitudes de supremacia e conivência com Israel ao longo de meio século. Entre jogos de poder, ânsia de matérias primas como o ouro negro invasões por armas químicas fictícias; ou anti-organizações terroristas; ou ataques militares a populações civis porque algures alguém lançou um rocket; assim o ocidente tem seguido as suas politicas de supremacia sem se preocupar de quem esta a sofrer as consequências. Impunemente mantiveram em cativeiro e torturaram milhares de muçulmanos baseados em vagas suspeitas de terrorismo e todos acharam normal. Gerações de jovens sem futuro que tem identificado os ocidentais como os grandes causadores das desgraças que ocorrem em seu redor. O ódio fervilha e logo ali há campo fértil para a  distorção manipuladora sobe o pretexto da religião.

Mas a palavra certa é manipulação. A foto dos dirigentes políticos de vários países ocidentais encabeçando a manifestação de Paris é forjada, assim como o rol de personagens desde o espanhol que quer presos os difamadores que expressão as suas opiniões no facebook, ou o turco que mantém cartoonistas na prisão por atentado ao seu nome. Exactamente os ditadores que odeiam a liberdade de expressão se colocam como defensores do Charlie.

O que aconteceu ao Charlie nada tem a haver com a liberdade de expressão. Trata-te de um ato de terrorismo. Terrorismo esse que tinha um alvo facilitado – haveria argumentos para o ter debaixo de mira. A luta de interesses velados e que podem levar a algo de mais sombrio. As massas com medo não se importam de perder a sua liberdade para terem mais segurança. Não duvido que os franceses vão através do Holland aka («c’est tres difficile» de cumprir as promessas eleitorais), rapidamente fazer aprovar leis que podem vigiar qualquer cidadão francês em especial se tiver a religião muçulmana. Isto e o tratado de Schengen vai ter umas revisões rápidas que vão visar certos e determinados emigrantes. As massas estão com medo e focam o que lhes atiram como o slogan #je suis charlie sem saber bem porque.

Como sumário deste triste acontecimento mediático a liberdade de expressão continua a ser ainda mais cinzenta e a liberdade religiosa parece que vai sofrer um duro revés. O direito à privacidade vai ser quase impossível e a presunção de inocência mais difícil. A igualdade de cidadania letra morta. A fraternidade com os imigrantes árabes um fóssil.
No fundo ficamos menos
livres, menos democratas e o Charlie mais popular. Só.

Depois do circo mediático ter assentado o seu arraial em torno da prisão preventiva do ex-primeiro ministro José Sócrates é inevitável pensar que a nossa democracia está a ser posta à prova.

Recordo-me que na história, casos como este, em que um ex-governante vai preso por indícios evidentes de enriquecimento ilícito levaram ao colapso das instituições e por conseguinte do próprio estado. Nem vale pena falar no caso em si, na personagem abjeta que durante uma década dominou a politica portuguesa, mas sim reflectir como é que é possível que a cultura politica portuguesa esteja repleta de Felgueiras, Isaltinos Limas, Varas e agora Sócrates em que aparentemente desde o presidente da Junta até ao Primeiro Ministro e qui ça, até o Presidente da República gosta de enriquecer às custas dos cargos públicos que exercem.

Não sou pessoa para atirar a primeira pedra, muito menos para achar que esta situação seria impossível – só que estivesse em coma nos últimos vinte anos e acordasse hoje acharia isto estranho; mas acho que chegamos a uma situação de descrédito tal que a democracia está terrivelmente ferida. Os danos feitos pelos tachistas incompetentes que se fazem passar por líderes e pelos carreiristas partidários e jotinhas que aguardam a sua vez de chegar ao poder pôs em causa a credibilidade da republica portuguesa – isto para não falar na falência do Estado – e se não fôssemos nós gente de brandos costumes (leia-se carneiros) teríamos há muito tumultos e quem sabe um ou outro golpe de estado por forças extremistas. Isso seria o normal noutros países, mas felizmente ou melhor pensando infelizmente não sucede em Portugal.

Neste jardim à beira mar plantado desde que se vai a votos há caciques e os enganos da rotatividade partidária – desde tempos Queirosianos – extrapolados no período republicano de há 100 a 90 anos atrás. Depois tivemos um fascismo provinciano de embrutecimento das massas e favorecimentos das elites governativas que durou quase meio século – sistema que só sucumbiu por um golpe militar algo estranho nos cânones das revoluções. Um 25 de Abril de panos quentes e muitos comícios utópicos que deu lugar a um novo bipartidarismo disfarçado que descreve a nossa existência democrática dos últimos quarenta anos.

A justiça portuguesa, famigerada pela sua ineficácia processual, pelo desmesurado poder dos meritíssimos e intocáveis juízes e pela teatralidade da barra do tribunal gordurosamente burocrático, vem agora a jogo em inúmeros processos contra corruptos e corruptores, mas que a mim, mais se assemelha a um foguetório mediatista do que ao natural decurso e independência do poder judicial.

Uma democracia para subsistir necessita por definição de três poderes separados e que garantam o correcto funcionamento dos outros três, numa simbiose que permita que o estado represente as aspirações do seu povo. Do povo e para o povo.

O equilíbrio do poder executivo, legislativo e judiciário em Portugal esta claramente em rotura, por inúmeros problemas a começar por uma Constituição cheia que boas intenções e virgulas a mais e que permite que o estado seja gerido a toque de pandeireta ou a marcha militar conforme a interpretação do leitor. O código penal é uma piada e o código processual parece que está cheio de vales do monopólio de sair da cadeia que advogados bem pagos sabem explorar ao limite. O poder executivo está nas mãos de um chamado bloco central que está contente com a apatia do sistema que permite graças ao clientelismo e clubismo dos eleitores que haja uma rotatividade do poder entre dois partidos que se revezam e alternam, mantendo o status quo e nada fazendo em prol do país. Se correr mal, basta esperar uns anos e volta-se para o poleiro. Se preciso faz-se uma coligação e os tachos perduram. E basta uns anos num cargo ministerial que se arranja uma fortuna em consultorias e outros negócios obscuros num futuro próximo. Basta que se esteja atento às oportunidade de corrupção ou falta de nojo ou cunhas que o sistema tem bem instalado na sua génesis.

No fundo estes políticos em que temos votado nos últimos quarenta anos são as térmitas que devoram aos poucos a talha dourada que é a democracia portuguesa. Brilhante por fora, mas empestada e podre por dentro.

Tirando António Costa que mal abriu a boca, o PS e a esquerda em geral têm dado um triste espectáculo da sua verdadeira natureza, que às vezes chega a roçar e a entrar na pura obscenidade. No PS, a gente de um lado e outro usa (com poucas variantes) a velha “língua de pau” de 1975, que nos fez rir durante 30 anos. Ninguém fala de política: da situação do mundo, da “Europa” ou sequer de Portugal. Ninguém fala da estratégia conveniente ou aconselhável para o partido, mas nos méritos e deméritos dos dois putativos candidatos, na “lealdade” e “gratidão” ao chefe ou nos triunfos que Costa infalivelmente trará consigo. O que estas parlapatices da hipocrisia, do oportunismo e da má-fé podem interessar ao cidadão comum é coisa que não interessa aos “notáveis” que a televisão convida ou escrevem doutoralmente para um jornal qualquer.

Nunca a “classe partidária” mostrou com maior clareza a sua vacuidade e o seu egoísmo. Trata sempre a situação do país como se tratasse do futuro de uma fábrica de sapatos: será que a baixa das vendas é irreversível ou temporária? Será que a concorrência vai aproveitar a oportunidade? Será que os lucros não são suficientes para investir e alargar o mercado? Não seria bom “lançar” um novo modelo, para aproveitar a moda? E não seria bom mudar de director? Sem o pormenor irrelevante dos “sapatos”, que diferença se consegue encontrar entre essa benemérita fábrica e um PS, que pretende reformar a “Europa” e salvar Portugal? Nenhuma ou tão ténue que não se distingue. Os campeões do socialismo não passam de uma empresa vulgar, com exclusivos critérios comerciais, tal qual como as gaba o famigerado “neo-liberalismo”.

Fica ainda a poeira da extrema-esquerda. A extrema-esquerda não sabe o que há-de fazer à vida. Gostava, como um adolescente, de ser rica e “famosa”, e de arranjar um namorado. Mas nada infelizmente a recomenda, excepto uma condenação genuína do estado do país. Só que a terapêutica que se propõe aplicar mataria o doente e 80 por cento dos portugueses percebem isso muito bem. Claro que muitas pessoas do Bloco ou do PCP, como o simpático e confuso João Semedo, merecem a nossa estima. Mas, como se sabe, a mistura entre os bons sentimentos e o espírito de missão tende a criar fanáticos; e o fanatismo leva rapidamente à intolerância e à intriga. O buraco de víboras em que se tornou o radicalismo português, além de paralisar o PS e o regime, não serve para nada e envenena o ar.

Vasco Pulido Valente in Público

Estas eleições europeias afligem-me profundamente. Estas batalhas politicas pelo eleitorado prenunciam um perigoso desagregar da democracia. A partidocracia portuguesa está esvaziada de idealismos politicos e não se sabe o que está ser discutido ou votado. É um mero ajuntamento de pessoas que trocam a sua pretensa ideologia por um caciquismo politico à boa moda portuguesa – que sempre existiu desde a monarquia constitucional.

Depois de um barão laranja e a brasa da esquerda virarem a casaca ao que sempre apregoaram, parece-me cada vez mais patente a prostituição evidente que as figuras públicas fazem por um bocado de poder. Não é nada de novo, recordo-me de Zita Seabra e de Helena Roseta que mudaram substancialmente de cores partidárias. Mas era noutro contexto e com um pouco mais de pudor. Estes casos de assumido vira-cassaquismo rápido, sem periodo de nojo ou atravesia do deserto, já não são propriamente inusitados nem nos espantam tanto como seria suposto.

A ideologia partidária desapareceu ao longo dos anos. Os lanjanjas e os rosas, apesar dos nomes, são meramente liberais. Pouco se sabe do que separa o programa eleitoral dos partidos do centro (se é que existe sequer um programa e ideias) e as diferenças saldam-se por um conjunto de discursos demagógicos e não por um ideal ou programa e que mudam ao sabor do vento e da opinião pública.

Por tudo isso. acredito cada vez mais no deficit democrático português que já é crónico . A democracia ficou refém de um conjunto de caciques que orquestraram a subida ao poder através de compadrios, padrinhos, afiliações em sociedades semi-secretas como a Maçonaria e a Opus Dei. O poder não caiu à rua, nem esta na Assembleia da Republica, mas sim nos jogos de interesses colectivos de grupos selectos de jotinhas e seus patronos e patrocinadores.

Os partidos financiam-se como entidades mafiosas de lavagem de dinheiro com donativos que não se sabem as origens e como entidades fornecedoras de poder aos seus líderes. Estes chefes, parecem mais capos, que são os mais apadrinhados e os que mais favores devem, incapazes de ter ideias, mas tão só verborreia demagógica que desmentem passado 24 horas. É vergonhoso perceber que vivemos numa denominada democracia que está podre de sentido e de verdade e que num ciclo vicioso tende a piorar.

É neste clima que vou votar nas eleições europeias, tão importantes e que tanto impacto têm no nosso futuro, mas que porém ainda não vi uma linha sequer do que os euro-deputados pretendem fazer no europarlamento. Que vão votar, em que ala vão alinhar. Nada. Zero de conteudo politico democratico. Por isso o meu voto deverá ir para o partido com o logotipo mais radicalou até piroso uma vez que se vou votar no escuro, prefiro que seja num grupo radical com falta de sentido de estetica. Ou talvez vote no que tenha mais Cs ou Os. Venha o Diabo e escolha!

Num desabafo rápido só quero apontar que realmente neste jardim à beira-mar plantado vivemos dias muito semelhantes à queda da Primeira República, em que políticos medíocres envolvidos em guerras palacianas afundavam o país numa profunda crise económica e social.

Sem dois dedos na testa alguns esticam a corda bamba da crise com piruetas ansiando por poder, enquanto outros igualmente desmiolados impõe regras de  interpretação dúbia e impraticáveis. Só não entendem que estendem o tapete à descrença na democracia. Um Salazar disfarçado de D.Sebastião  arrisca-se a tomar conta disto não tarda nada.

Grândola vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti ó cidade

Dentro de ti ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade

Grândola vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra de uma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra de uma azinheira
Que já não sabia a idade

Zeca Afonso 10 Maio 1972

Um novo ano se inicia, marcando um ciclo diferente que começa. Talvez porque tenho já alguns cabelos brancos ou porque eu sinto o misto de alegria e peso da responsabilidade de ser pai de duas ternas almas, sinto que estou numa fase mais madura.

Neste ciclo complicado, muitas portas se fecham, muitas oportunidades são aparentemente perdidas. Acredito piamente que quando o Destino nos coloca entraves e dificuldades apenas estamos a entrar num novo ciclo, que no aparentemente nos parece negro. Abrindo bem os olhos existe sem uma luz ao fundo do túnel. E isso nem mesmo a crise economia pode esmagar.

Muitas vezes usamos padrões de felicidade que nos foram impostas, ou melhor, incutidas repetidamente pelos vendilhões do templo. O sucesso, a fama e a felicidade não devem ser quantificadas em dólares como sempre nos publicitaram. O exterior reluzente não e fonte de prazer e alegria. São apenas euforia passageira que não traduz o vazio intrínseco que a acompanham.

Neste mundo tão materialista e capitalista em falência talvez seja tempo de nos debruçarmos sobre nós próprios e investir no verdadeiro enriquecimento e dar aos nossos próximos o que nós temos de mais precioso: amor e amizade.

São tempos em que a crise económica se abateu definitivamente sobre os pobres lusitanos. Estamos numa perlongada falência política e financeira, ou pelo menos, fez-se luz para todos como nós portugueses andaramos a inconscientemente cavar a nossa própria sepultura. É exactamente agora, nos tempos de carência que se torna imperativo sair do espiral consumista e de ausência de valores que nos levou a onde nos encontramos.

Não quero falar nos mil erros de desenvolvimento, desperdício, de despesas descontroladas que levaram a uma divida soberana do estado português insuportável, nem a toda a conjuntura negativa , ou problemas estruturais crónicos. Do mesmo de sempre não serve de nada falar. A crise económica foi sempre um tema permanente em Portugal. Salvo raros intervalos contra cíclicos estamos em crise. Por isso milhões de luso descendentes estão espalhados pelo mundo. No meu ponto de vista crise é o nome do meio do português. Nada de novo aqui portanto.

O problema presente é a meu ver muito mais grave. O que tem uma nova crise, aquilo que está verdadeiramente falido não é a economia portuguesa mas sim a nossa pobre democracia que a meu parece estar a prazo.

Recebi há dias um colega inglês que, vagamente conhecedor da situação portuguesa, esperava encontrar o país em alvoroço.

Quando verificou que nada disso se passava ficou verdadeiramente intrigado. Expliquei-lhe que o meu salário tinha sido cortado em 30%, que esse corte tinha sido superior para alguns colegas, que vários outros estavam a ser despedidos, etc. O seu espanto foi então redobrado: “Como é possível que não existam manifestações, greves contínuas, etc.? Por que razão está a universidade a funcionar normalmente?”

Este espanto diante da situação portuguesa é genuíno. Não passa um dia sem que leia na imprensa ou ouça de viva voz o elogio de algum responsável político europeu à peculiaridade da nossa situação: Portugal é verdadeiramente excepcional porque tem conseguido manter a ordem e a paz social. O contraste com a agitação popular na Grécia é enorme. Mas não deixa de ser também assinalável a diferença da situação portuguesa face à turbulência social a que se assiste já em Itália ou em Espanha, por exemplo.

Será difícil negar que a ordem e a paz social até agora existentes acabam por ser benéficas para o país. Mas por que é que as coisas se passam assim entre nós? Aquilo que os responsáveis europeus não sabem – e os nossos governantes fazem de conta que não sabem – é que a ordem e a paz social resultam de um aspecto especialmente negativo, de um “mal” que de há muito afecta a sociedade e a democracia portuguesa. Ainda no passado fim-de-semana, numa conferência no Porto, a politóloga Marina Costa Lobo chamava a atenção para isso mesmo, recordando a debilidade da participação política, convencional e não convencional, no nosso país, por comparação com o que se passa nos outros países europeus. Entre nós, a atitude de desconfiança face à política é enorme e a apatia estende-se também à participação cívica num sentido mais alargado.

Diante da crise e das medidas tomadas pelo Governo, muitas vezes de forma arbitrária e injusta, face ao empobrecimento de muitos e ao enriquecimento de alguns, face à venda ao desbarato dos nossos melhores activos, à destruição do tecido empresarial, à transformação do Estado social numa instituição assistencialista, e por aí adiante, que fazem os portugueses? Cada um procura tratar de si e sobreviver, no silêncio e, por vezes, na vergonha. A política e a acção cívica parecem-lhes algo demasiado longínquo. Preferem sofrer em privado do que contribuir para uma mudança na esfera pública.

Assim, os bens da ordem e da paz social são, em última instância, uma consequência da nossa desconfiança face aos outros, do atavismo secular, do alheamento face à política, da famosa “falta de civismo”. São, forçando um pouco a frase, bens que vêm por mal.

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in Economico João Cardoso Rosas, Professor Universitário